Alvin York, o Rambo da vida real

em 02/07/2019


Stallone sempre disse que a verdadeira natureza de John Rambo é pacifista, mas as circunstâncias lhe obrigam a ir contra seu verdadeiro eu. Sendo assim, é possível que o lendário personagem tenha se inspirado em uma lenda real de guerra. E assim como Rambo, Alvin York não queria lutar. No entanto, há aproximadamente 100 anos teve lugar uma batalha na Primeira Guerra Mundial que ia transformá-lo no soldado mais condecorado e lendário dos Estados Unidos.

O verdadeiro Rambo

Retrocedendo alguns anos antes da batalha, em 1887, nascia Alvin C. York. Não podia ser mais americano ao nascer: seu lar era uma cabana de troncos em Pall Mall, uma aldeia com meia dúzia de moradias próxima da fronteira entre Tennessee e Kentucky. Alvin foi o terceiro de 11 filhos em uma família que vivia da agricultura e a caça como meio de subsistência.

Por mais pacifista que fosse desde criança, seu lugar no mundo iria desafiar sua vocação zen. A necessidade de trabalhar e fornecer mão de obra à família terminou com sua educação formal no terceiro ano enquanto convertia-se em um experiente atirador a uma idade onde as crianças só pensam em brincar. Para o pequeno Alvin, um sábado qualquer consistia em levar seu rifle à montanha com seu tio enquanto ambos disparavam em tudo que se movia. Também começou a beber.

Alguns anos depois, ainda muito jovem, Alvin se converteu em uma espécie de promotor de bares ilegais de fins de semanas da área rural, lugares onde a violência podia ser sentida em cada canto, locais que costumavam terminar a noite com uma explosão de sangue onde nosso jovem pacifista se via imerso e acabava participando.

No entanto, não demorou muito e tentou buscar remédio a tanta testosterona. Se quisesse ser pacifista tinha que acabar com tudo o que estado fazendo até agora. Assim foi como buscou refúgio na igreja, ainda que, para dizer verdade, o fez unicamente porque era o único lugar onde era permitido socializar com a garota que gostava.

Este "despertar" religioso ocorreu ao redor de 1911, momento em que seu pai morreu e se passou a ser o chefe da família. Se converteu a uma seita chamada Igreja de Cristo e União Cristã. Deixou de beber, apostar e amaldiçoar. Também aceitou o voto da igreja a obedecer ao mandamento principal: "Não matarás".

Com o tempo, a religião passou a ser o principal motor da vida de Alvin, e tornou-se, não só uma peça genuína e fundamental, senão também ardente, especialmente após um sermão do Dia de Ano Novo de 1915 de um pastor que "...me fez sentir como se um raio golpeasse sua alma", diria anos depois.

Mas como detalhávamos no começo, a vida de Alvin foi pura contradição. Um tipo que queria ser pacifista e amava seu deus; se olhava no espelho e não deixava de crescer e crescer. Era um rapagão, um tipo que desenvolvia músculos quase sem querer, ia o exército desperdiçar um homem deste tipo?


Ano 1917. Depois do início da Primeira Guerra Mundial, Alvin recebeu uma notificação de rendimento ao Exército dos Estados Unidos. Em um primeiro momento advogou pela isenção sobre a base de que tinha sentimentos religiosos contra a guerra, mas sua apelação foi negada duas vezes. Finalmente foi admitido em 14 de novembro e enviado a Camp Gordon. Em muito pouco tempo adquiriu uma reputação de experiente com o rifle, ainda se mostrasse reacionário a lutar.

Rapidamente passou a ser membro da 82° Divisão de Infantaria. Sua vida disciplinada e sua extraordinária capacidade de disparo foram as bases de sua ascensão. Mas ainda lidava com seu pacifismo, e inclusive discutiu com dois oficiais superiores muito religiosos, que trabalharam para convencê-lo de que um podia seguir a Bíblia e matar pela própria nação.

Foram tempos difíceis para o homem que ia se transformar em lenda. À medida que se espalhava a história a respeito das tendências pacifistas de Alvin, outros soldados começaram a isolá-lo e ridicularizá-lo abertamente. Sua figura em face de seus colegas ia mudar completamente em breve.

O 1° de maio de 1918 chegou à França e serviu na Frente Ocidental, onde a brutal guerra de trincheiras estava tendo lugar através de ataques com gás, e onde os bombardeios de artilharia por uma disputa em terra de ninguém provocaram mais de 13 milhões de baixas entre os dois lados.

Alvin serviu na bem-sucedida Ofensiva de 100 Dias em setembro desse ano, foi promovido a cabo e passou a comandar seu próprio esquadrão. E então chegou o evento que ia fazer com que virasse uma lenda.

De volta com centenas de prisioneiros

A Ofensiva de Meuse-Argonne, o último grande impulso da guerra, começou em 2 de outubro de 1918. Na madrugadas de 8 de outubro a companhia do cabo York encontrava-se na colina 223 próximo a Chatel Chehery, França, com a atribuição de avançar até a uma ferrovia alguns quilômetros a frente.

Alvin por Frank Schoonover, 1919.
À medida que a companhia, dividida em 2 unidades, se dirigia ao objetivo, o fogo inimigo localizado no topo de uma colina ia deixando baixas . A maior parte do primeiro grupo morreu ou ficou ferido, e 17 homens do segundo grupo que ainda estavam em condições para a batalha se desviaram ao longo do vale para se abrigar das armas alemãs.

Finalmente, 9 dos 17 soldados da segunda unidade de Alvin também foram derrubados pelo ninho de metralhadoras alemãs no cume, caíram enquanto tentavam escapulir por trás das linhas inimigas. As vítimas incluíam o oficial, deixando Alvin e outros sete enfrentando uma força maior em uma posição bem guarnecida e, por suposto, com Alvin e seus homens sem o elemento surpresa.

- "Um de nossos homens disparou nos alemães, e logo começou algo, mas recordo pouco pois eram muitos tiros", lembrou o cabo anos mais tarde. - "Chovia tiro de todas as direções." Um movimento em falso poderia revelar a sua posição, Alvin ficou quieto.

- "Abaixei-me bem onde estava, e parecia que cada metralhadora dos alemães estava disparando", diria. - "Todo este tempo, no entanto, quase sem me dar conta eu já estava usando meu rifle, e os alemães estavam começando a sentir o efeito, porque a verdade é que estava atirando bastante bem."

"Bastante bem" é uma definição muito vaga para o que estava fazendo. Alguns minutos antes de converter-se em um autêntico herói da guerra toda, incapaz de arrumar um lugar para se abrigar, Alvin pensou uma vez mais se suas convicções poderiam livrá-lo daquilo, ou, se pelo contrário, devia devolver as balas ao inimigo. Alvin estava exposto sob um aluvião de fogo; sua única possibilidade de sobrevivência era silenciar as 35 armas que se encontravam no alto da colina.

A resposta parecia clara. Como o próprio Alvin explicou:

"As metralhadoras cuspiam fogo e cortavam o mato ao meu redor, algo terrível... Não tive tempo de me esconder atrás de uma árvore ou procurar um buraco ou barranco para me esconder, nem sequer tive tempo de me ajoelhar ou deitar. Tão logo as metralhadoras abriram fogo contra mim, comecei a trocar tiros com elas. Para poder me ver com suas metralhadoras, os alemães tinham que mostrar suas cabeças acima da trincheira, e cada vez que via uma cabeça, simplesmente a destroçava. Durante a batalha não parei de gritar que baixassem as armas. Não queria matar mais do que o necessário. Mas eram eles ou eu. E eu estava dando o melhor que tinha."

Alvin na colina onde suas ações lhe valeram a Medalha de Honra, 1919.
Quem estivesse ali nesse dia teria corroborado que ele matou 18 alemães nas primeiras 18 balas. E o tipo foi subindo o morro, em clara posição de desvantagem, enquanto gritava que soltassem as armas para não acabar com mais vidas.

Uma segunda onda de soldados alemães investiu desesperadamente com baionetas. Alvin, agora em uma espécie de transe, derrubou todos com seu Colt .45. Mais tarde ele diria sem contemplações que "foi como atirar em perus selvagens lá perto de casa."

Seguindo o exemplo de Alvin, os soldados restantes atiraram e, enquanto ele se dirigia para a posição do inimigo, um tenente alemão, afetado pela agonia e a súplica de um colega oficial, usou um apito e ordenou aos soldados restantes em seu batalhão que se rendessem, segundo relatou Douglas V. Mastriano, autor de "Alvin York: A New Biography of the Hero of the Argonne".

A seguinte cena foi provavelmente a mais épica de todas. Ao longo do caminho, uma sombra cada vez maior formava um batalhão de 133 homens, todos caminhando em direção do restante do esquadrão e Alvin, agora espalhados ao longo da colina. O tenente Woods, superior de Alvin, a princípio achou que era um contra-ataque alemão e disse a seus homens que carregassem rápido suas armas ante o que parecia um ataque iminente.


Ofensiva de Meuse-Argonne
No entanto, dentre os homens surgiu a figura de Alvin, que saudou e disse ao tenente:

- "O cabo York informa que são todos prisioneiros, senhor!". Quando o aturdido oficial perguntou quantos eram, Alvin respondeu como a lenda viva que já era: - "Honestamente, tenente, não tenho a menor ideia, e pouco me importa."

O cômputo total foram 132 prisioneiros alemães ante o assombrado oficial ao comando. Ainda que tentasse minimizar suas ações, Alvin foi promovido a sargento, e em 31 de dezembro de 1919 recebeu a Medalha de Honra, a mais alta distinção militar da nação.

O herói ileso também recebeu altas honras militares de nações aliadas como França ou Itália. Curiosamente, sua fenomenal façanha tinha passado inadvertida para o público americano até que apareceu um artigo que detalhava sua valentia e pontaria em 1919 no The Saturday Evening Post.


- "Me sentia como uma raposa dando voltas quando os cães a perseguem", escreveu mais tarde. - "Me perguntaram sobre muitas das questões que tinha dentro de minha cabeça e queriam que contasse e contasse."

De volta para casa

Em maio de 1919, o Sargento York regressou aos Estados Unidos e recebeu celebradas boas-vindas. Inclusive a Bolsa de Nova York fechou e os membros levaram o herói da guerra ao redor do andar de negociação sobre seus ombros. Foi ovacionado pelo próprio Congresso em pé.

Com o reconhecimento chegaram centenas de ofertas para conferências, atuações e aparições públicas. Alvin recusou todas argumentando:

- "Este uniforme não está à venda", e regressou ao Tennessee.


Em 7 de junho desse mesmo ano, ele e Gracie Williams se casaram em uma colina próxima de sua casa. O casal se estabeleceu em um sítio no rio Wolf que ele ganhou do estado, e continuou a vida de sempre, com a plantação e a caça. Também ensinou em uma escola dominical e pregou a palavra se Deus.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Alvin tentou voltar a alistar-se no Exército como soldado de infantaria, mas tinha 54 anos, estava fora de forma, era diabético e padecia de artrite. Sua solicitação foi recusada, mas recebeu um posto no Corpo do Exército para percorrer campos de treinamento e participar em campanhas para arrecadar fundos para o esforço de guerra.

Rambo enfrentou uma grande parte dos soldados vietnamitas que custodiavam um campo de prisioneiros de guerra matando a todos. No entanto, isso foi 10 anos após o término da guerra e os vietnamitas não esperavam ninguém à festa. E, lógico, Rambo é uma personagem fictício.

Alvin York em 1937
Alvin, pelo contra, foi muito real, e no meio da guerra mudou em alguns segundos sua natureza pacifista e religiosa para se tornar um senhor da guerra com maiúsculas.

Alvin C. York, o soldado de infantaria da Primeira Guerra Mundial que se tornou uma lenda, morreu em 2 de setembro de 1964 em um Hospital de Veteranos após uma longa doença. Ele tinha 76 anos.

Fonte: Metamorfose Digital

Quando amanhecer, você já será um de nós...

4 comentários:

  1. Pode ser que seja verdade, já que, o filme Rambo, Programado para Matar -- como traduzido aqui, para o Brasil, para o nosso português -- Foi baseado numa obra literária denominada Primeiro Sangue , onde a personagem aparece pela primeira vez.

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  2. interessante, amo a noite sinistra

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