Fazenda de Corpos: Estudando a Morte

em 09/07/2015

Parece cena de filme de terror, mas nos Estados Unidos é muito comum a existência de “fazendas de corpos” ("body farms", no original). O Texas possui uma das maiores, com aproximadamente 50 cadáveres espalhados em mais de 16 hectares de terra. Alguns estão mumificados e outros foram atacados ferozmente por abutres. Porém, os mais assustadores são os frescos, pois ficam inchados devido às poucas semanas transcorridas após a morte.



O campo de estudo está estabelecido no Freeman Ranch e faz parte do Centro de Antropologia Forense da Universidade do Texas. Os defuntos são doados e deixados a céu aberto para que os pesquisadores possam compreender o processo de decomposição, visando assim auxiliar nas investigações criminais.

Para entender melhor, é só se lembrar dos filmes em que o policial sempre pergunta: “Há quanto tempo ele está morto?”. Essas fazendas ajudam a determinar justamente isso. E tem mais, os pesquisadores do Freeman Ranch estão utilizando seus conhecimentos para auxiliar na identificação de centenas de pessoas que morreram de desidratação ou de ataque cardíaco após cruzar as fronteiras dos Estados Unidos.

“Basicamente, nós queremos descobrir como a decomposição funciona”, explica Daniel Wescott, o antropólogo-diretor do recinto e professor da Universidade do Texas. “Há um mini-ecossistema ocorrendo nos corpos e queremos entendê-lo por inteiro”, complementa.


Os antropólogos forenses podem datar restos mortais observando a atividade dos insetos sobre o corpo em decomposição, mas se já se descompôs até o esqueleto, o trabalho fica bem mais difícil. É aí que a pesquisa da fazenda de corpos começa. Elas têm ensinado os cientistas a estudar o terreno em torno dos restos mortais em busca de provas - a acidez no solo pode indicar há quanto tempo o corpo tem liberado fluidos na terra. Além disto, os especialistas passaram a prestar atenção aos efeitos do tempo e do ambiente. Os cientistas consideram o efeito do processo de putrefação sob o sol quente e árido e também como um corpo em decomposição pode ser dilacerado por animais em busca de alimento. Se os ossos maiores estiverem espalhados, é seguro assumir que o corpo está no local por um período longo (os animais carregam os ossos pequenos primeiro).

A Western Carolina é uma das três únicas universidades nos Estados Unidos que defende o mérito de permitir a decomposição de corpos humanos naquilo que seria somente um adorável campus universitário. Além da fazenda de corpos na WCU, há também fazendas na Universidade do Tennessee (em inglês)-Knoxville e na Universidade do Texas(em inglês)-San Marcos. Neste artigo, você vai saber tudo sobre fazendas de corpos e seu papel na educação e investigação. Mas, antes entenda o que acontece com o corpo quando a pessoa morre.

O que ocorre quando morremos

A fim de compreender como as fazendas de corpos funcionam, é interessante saber alguns dados básicos sobre a morte humana e a decomposição. Embora soe bastante macabro, é perfeitamente normal que o corpo passe por diversas mudanças radicais quando a pessoa morre.

Para começar, quando o coração pára de bater, as células do corpo e os tecidos param de receber oxigênio. As células cerebrais são as primeiras a morrer - normalmente em três a sete minutos (fonte: Macnair). Ossos e células da pele, no entanto, sobrevivem por diversos dias. O sangue começa a ser drenado dos vasos sanguíneos para as partes inferiores do corpo, criando assim uma aparência pálida em alguns lugares e uma aparência mais escura em outros.

Três horas após a morte, começa o rigor mortis, que é o endurecimento dos músculos. Após 12 horas, o corpo esfria e dentro de 24 horas (dependendo da gordura corporal e das temperaturas externas) perde todo o calor interno em um processo chamado algor mortis. Depois de 36 horas, o tecido corporal começa a perder sua rigidez e, dentro de 72 horas, a rigidez cadavérica diminui.

Conforme as células morrem, as bactérias dentro do corpo começam a desintegrá-lo. Enzimas no pâncreas fazem com que o órgão se dissolva sozinho. O corpo logo assume uma aparência horrível e começa a cheirar mal. Tecidos em decomposição liberam uma substância esverdeada e gases como metano e sulfeto de hidrogênio. Os pulmões expelem um fluído pela boca e pelo nariz.

Insetos e animais certamente percebem tais sinais. O corpo humano oferece alimento e é um ótimo lugar para depositarem seus ovos. Uma mosca pode se alimentar bem com um cadáver e depois liberar até 300 ovos sobre ele, gerando cria em um dia.

Os gusanos - larvas que nascem destes ovos - são extremamente eficientes e carnívoros. Começando pela parte externa do corpo onde nascem as larvas usam ganchos na boca para sugar os fluídos que escorrem do cadáver. Depois de um dia, as larvas entram no segundo estágio de sua vida, cavando para dentro do cadáver.


Movendo-se em grupo, as larvas se alimentam de carne em putrefação e soltam enzimas que ajudam a tornar o corpo em uma substância pegajosa. O mecanismo de respiração se localiza na extremidade oposta da sua boca, permitindo que coma e respire simultaneamente sem interrupção de tempo. Uma larva em sua fase inicial apresenta 2 milímetros de comprimento, mas quando atinge o terceiro estágio e deixa o corpo como prepupa, pode chegar a 20 milímetros - 10 vezes seu tamanho inicial. Larvas podem consumir mais de 60% do corpo humano em menos de sete dias (fonte: Australian Museum).

O ambiente no qual o corpo está também afeta seu índice de decomposição. Por exemplo, corpos na água se decompõem duas vezes mais rápido do que aqueles enterrados no solo. Esse processo é mais lento embaixo da terra, especialmente se o corpo estiver em terreno argiloso ou protegido por outra substância sólida que impeça o ar de chegar, uma vez que a maioria das bactérias necessita de oxigênio para sobreviver.

O estudo da Morte

Pelo que sabemos, todos os humanos compartilham do mesmo fim após a morte: a decomposição. A não ser que seu corpo seja congelado, cremado ou inteiramente destruído, ele deve ser consumido por bactérias, insetos e animais que reciclam o material orgânico e o transforma em novas formas de vida.

O primeiro estudo sobre a decomposição humana chamado Washing Away of Wrongs e escrito pelo juiz Song Ci no século 13, ensina como examinar um corpo e determinar a causa da morte. Já em 1800, vários estudiosos europeus observaram os estágios específicos pelos quais o corpo passa durante o processo de apodrecimento.


Leia Mais: Os Sinais da Morte


Na década de 70, os cientistas forenses utilizavam carcaças de porcos para averiguar detalhadamente os dados que envolvem o intervalo post-mortem – o período entre o momento em que a pessoa morre e o corpo é encontrado. Nessa época, ninguém nunca havia observado um corpo humano em deterioração em um ambiente controlado.

Nos anos 80, William Bass fundou a primeira fazenda de corpos. A ideia surgiu após ele ter sido chamado para ajudar os policiais em uma cena de crime local. Nela, uma cova do tempo da Guerra Civil Americana havia sido violada e suspeitaram que o cadáver fosse recente – provavelmente trocado pelo assassino para encobrir as evidências. Nisso, Bass avaliou as roupas e outros fatores e descobriu que esse não era o caso.

A partir daí, o cientista passou a coletar amostras para análise, tendo como objetivo expandir o conhecimento sobre a decomposição humana. Depois de alguns anos, a fazenda de corpos no estado do Tennessee já havia analisado mais de 650 falecidos, legitimado o estudo e estabelecido muito do que sabemos atualmente.


Mas ainda há muitas coisas que precisam ser descobertas. “O calor e a humidade afetam a taxa de decomposição. Isso significa que o processo varia de região para região”, explica Wescott. Portanto, diversos locais desse tipo foram abertos em outros estados dos EUA, entre eles Carolina do Norte e Illinois.

Antropólogos Forenses

Dependendo da profundidade que o caixão for enterrado, o corpo pode ficar completamente livre de tecidos e carne dentro de 40 a 50 anos. Cadáveres desprotegidos se decompõem até o estágio do esqueleto muito antes disso. No entanto, pode levar centenas de anos para os ossos se decomporem totalmente.

Embora muitos corpos tenham sido descobertos antes de virarem pó, normalmente um tempo suficiente - dias ou muitos anos - já se passaram, impossibilitando identificar visualmente um individuo encontrado em circunstâncias misteriosas. A pele, o músculo e outros tecidos podem ter se decomposto ou podem ter sido ingeridos por animais selvagens. O que é mais provável que se conserve é o esqueleto. É nele que as respostas normalmente são encontradas.

Antropologia forense é o estudo e a análise de restos mortais humanos com o objetivo de ajudar em investigações criminais. Esses especialistas fornecem informações sobre a origem e a identidade de um corpo, bem como a forma e o momento da morte. A área forense tem diversos segmentos - desde entomologia forense (estudo de evidências de insetos) à odontologia  (análise de provas dentárias [em inglês]). Um antropólogo forense pode consultar um odontologista, por exemplo, para determinar com maior precisão a idade média de um esqueleto humano.

Quando um corpo é descoberto, um antropólogo forense é intimado ao local do crime para ajudar a encontrar e reunir restos mortais. Não é tão simples quanto parece. Pode haver dois corpos juntos numa cova rasa ou o corpo pode ter sido encontrado entre ossos de animais deixados por caçadores. O profissional separa os ossos dos outros materiais, os leva ao laboratório e os limpa para depois examiná-los. A análise é complicada por uma série de motivos. Por exemplo, um trauma no osso pode revelar luta com o assassino ou pode ser apenas resultado de um acidente na infância. O exame forense pode ajudar a determinar qual é o caso. Antropólogos forenses também prestam depoimento na justiça sobre suas descobertas - reafirmando sua opinião sobre a identidade ou perfil do indivíduo e a presença de traumas nos ossos ou esqueleto.

Quando cientistas forenses aparecem em seriados de crimes na TV, o papel que desempenham normalmente é impreciso e exagerado. O antropólogo forense estuda apenas os ossos e os restos em decomposição de uma pessoa - e não o resquício misterioso de sangue no punho, o chiclete mastigado na boca da vítima ou o padrão peculiar de manchas de sangue na parede atrás do corpo. Algumas tarefas não executadas por eles incluem:

  • coleta e análise de DNA;
  • autópsia;
  • análise de padrão de mancha de sangue;
  • busca por fios de cabelo, fibras ou outras provas do gênero; estudo de balística ou outras provas relacionadas a armas


Mesmo que os antropólogos forenses não façam tudo o que fazem na TV, eles têm um trabalho específico. Para analisar corpos corretamente, devem aprender sobre decomposição. Ter experiência imediata ajuda - e é isto que justifica a fazenda de corpos. Elas são como laboratórios práticos onde estudantes aprendem os efeitos ambientais sobre o corpo, assim como observam o processo de decomposição de perto.

Fazenda de Corpos (Body Farm)

A primeira fazenda de corpos (oficialmente conhecida como Centro de Antropologia Forense da Universidade do Tennessee[em inglês]) foi inaugurada pelo Dr. William Bass em 1971. Bass reconheceu a necessidade de pesquisar a decomposição humana depois que a polícia, repetidamente, pediu sua ajuda para analisar corpos em investigações criminais. O que começou como uma pequena área com apenas um corpo evoluiu para um complexo de 12.000 metros quadrados com os restos mortais de 40 pessoas. A instalação ficou conhecida (e ganhou seu apelido) depois de ter inspirado o romance de Patricia Cornwell de 1995, "The Body Farm" (A fazenda de corpos).


De onde vêm estes corpos? Quando o Dr. Bass iniciou os trabalhos utilizava corpos de indigentes das unidades médicas de pesquisa. Posteriormente, as pessoas passaram a doar seus corpos ao centro para facilitar os estudos forenses.

Não há um padrão comum de diretrizes a serem seguidas por esses centros de estudos, além de segurança, proteção e privacidade. Até mesmo a dimensão das instalações variam. A fazenda de corpos da Universidadea Western Carolina tem cerca de 300 metros quadrados. Foi construída para manter 6 a 10 corpos por vez, enquanto a da Universidade do Tennessee possui 40 corpos em seus 12.000 metros quadrados. A fazenda de corpos no Texas é maior: a instalação na Universidade do Texas (em inglês)-San Marcos possui cerca de 20.000 metros quadrados.

Cada instalação possui um foco diferenciado. A fazenda de corpos do Tennessee desenvolve um amplo estudo sobre a decomposição do corpo sob todas as condições - enterrado, a céu aberto, sob a água e até no porta-malas de carros. Já em Western Carolina se enfatiza o estudo da decomposição na região montanhosa da Carolina do Norte e do Sul. A fazenda de corpos do Texas também oferece dados específicos da região. Antropólogos forenses de estados como Novo México (em inglês) aguardam dados do Texas para que possam estudar amplamente a decomposição em climas desérticos.

Geralmente, quando o centro aceita um corpo, o mesmo é colocado em um refrigerador (similar ao encontrado em necrotério). O cadáver é identificado com um número e colocado em uma localização específica no terreno. A localização de cada corpo é cuidadosamente mapeada. Os estudantes aprendem a manter uma seqüência de evidências quando trabalham com pessoas reais. Em uma investigação criminal, é fundamental que quem vai lidar com o corpo registre a manipulação do mesmo. Desta maneira, nenhuma questão legal poderá ser levantada quanto à integridade das provas ou possíveis disparidades sob sua custódia.

Os corpos se decompõe durante muito tempo. Depois os estudantes praticam exercícios relacionados à localização, coleta e remoção de restos mortais da área. Os restos são levados ao laboratório e depois são analisados. Quando a análise é finalizada, o esqueleto pode ser devolvido à família do falecido para o funeral, caso este seja o pedido da família. Caso contrário, é provável que permaneça na coleção de esqueletos do departamento. A Universidade de T-Knoxville ostenta uma coleção de restos mortais de mais de 700 pessoas.


As fazendas de corpos podem proteger ou não os corpos em uma espécie de gaiola. Esta medida evita que os coiotes no Texas dilacerem as partes do cadáver. No centro da Carolina Ocidental, cercas de proteção são suficientes.

A maior Fazenda de Corpos do mundo

A fazenda de corpos do Texas é gerenciada por quatro funcionários em tempo integral, mas recebe dezenas de voluntários graduados ou não. Nela, encontram-se mais de 200 esqueletos contemporâneos. Wescott informa que isso é importante porque o corpo humano está sempre mudando – hoje em dia, principalmente por causa da obesidade.

As outras coleções nos EUA possuem mais amostras históricas. Portanto, ter uma amostra recente de defuntos auxilia no processo de determinação da idade de uma pessoa não identificada e encontrada em circunstâncias misteriosas. Em um de seus casos, Wescott conta que foi chamado para ajudar na análise de um corpo decapitado, achado próximo à cidade de Columbia, em 2008.

“A primeira coisa que notei foram os ossos da coxa”, diz o atropólogo. “Eles eram muito mais finos do que o normal e se se uniam ao corpo em um ângulo estranho”, complementa. Depois de comparar com as amostras da universidade, ele deduziu que esse era o resultado de um longo período sentado – provavelmente em uma cadeira de rodas.

Nisso, a polícia informou ao público a descoberta. O caso foi encerrado quando um vendedor de cadeiras de rodas ouviu a notícia, telefonou e disse que uma de suas clientes havia desaparecido e não retornava mais suas chamadas.

Como é feita a análise do corpo em decomposição

Assim que um cadáver chega na fazenda, os cientistas o carregam para um laboratório local, onde ele é medido e fotografado. Também são coletadas amostras de cabelo e sangue, e um número de identificação é adotado no lugar do nome da pessoa.

Quando possível, eles colocam o corpo para deteriorar na mesma hora. Porém, quando não há funcionários suficientes para o carregamento, o cadáver é armazenado no refrigerador durante alguns dias para retardar a decomposição. O local em que os mortos ficam é monitorado 24 horas por câmeras, porém Wescott diz que ninguém nunca tentou invadir – ou fugir.


Dependendo da pesquisa que está sendo feita, os corpos são deixados para apodrecer em diferentes circunstâncias. Alguns são intencionalmente deixados no sol ou na grama, enquanto outros ficam sob as sobras de um genebreiro ou de um carvalho. A maioria fica protegida por grades de metal, porém alguns ficam expostos para que os cientistas possam observar o efeito dos abutres por meio das gravações.

Atualmente, os mortos ficam todos nus, mas já foram feitas pesquisas para averiguar o impacto das roupas no processo de decomposição. O cheiro do local é uma mistura de raízes molhadas e carne rançosa.


Me chamo Bruna, sou Gaúcha de Porto Alegre, 29 anos de idade. Dona dos blogs Cova do Inferno e Bariátrica em FocoCova do Inferno surgiu pela minha paixão pelo lado sombrio da humanidade. Aquele lado que algumas pessoas tem e outras tantas ignoram. Sou apaixonada por seriados policiais e meus favoritos são Bones, Criminal Minds, NCIS e Law and Order:SVU. Adoro uma teoria da conspiração e acredito que há algo grande nesse mundo que é governado por uma minoria que fez um pacto. Já o Bariátrica em Foco surgiu depois de uma cirurgia e de um seriado chamado Drop Dead Diva que fala sobre a aceitação das mudanças. E eles dois são meus amores, meus filhos. E agora também sou colaboradora do Noite Sinistra que é um dos meus blogs favoritos."


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5 comentários:

  1. que post foda. parabéns. mais uma matéria bizarra e maravilhosa do blog.

    p.s. nao levem a mal, mas a descriçao nao precisava ser tao grande ne?!

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    1. me refiro a descriçao da autora da postagem. ja vi em outros blogs e geralmente sao descriçoes pequenas.

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  2. Post sensacional, muito completo. Parabéns!

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  3. Adorei saber de todo o objetivo das fazendas e como são estudados os cadáveres. A ciência e grandiosa sempre e abre a todo momento novas perspectivas pra ir mais além nos conhecimentos. Parabéns pela matéria.

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